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Síntese Neoclássica e o espaço da política fiscal


DAVID RIBEIRO FERREIRA JUCINEIDE HENRIQUE SANTOS MARCOS REVEJES PEDROSO
MIQUÉIAS ARAÚJO
RODRIGO COLOMBO DE OLIVEIRA

Texto escrito em 29/04/2020  como Resenha do texto "O espaço da política fiscal: de Keynes ao Novo Consenso", escrito por Francisco Luiz C. Lopreato. O trabalho foi realizado na disciplina CE863: Setor Público, componente da grade curricular do curso de Ciências Econômicas do IE-UNICAMP. A mesma foi ministrada pelo Prof. Dr. Roberto Alexandre Zanchetta Borghi.

Introdução e Contextualização

A Síntese Neoclássica é um movimento acadêmico dos anos 1950-60 na economia do pós-guerra, que procurou absorver o pensamento de John Maynard Keynes e complementá-lo com a visão neoclássica. O processo de construção da Síntese começou logo após a publicação do livro “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” de Keynes. Foi desenvolvida principalmente por John Hicks e popularizada pelo economista matemático Paul Samuelson. 

O termo “síntese neoclássica” batizado por Paul Samuelson foi obtido ao se compatibilizar o núcleo das ideias keynesianas sobre a determinação do rendimento agregado com o Modelo IS/LM e os princípios microeconômicos clássicos, ou seja, ele aparece precisamente para descrever as formas pelas quais seria possível vincular ambas as tradições.  A reconstrução da teoria clássica por Hicks foi feita basicamente através de três equações, supondo dadas a oferta de moeda, a taxa de salários nominais, a distribuição de renda e as técnicas produtivas. As duas primeiras equações descrevem respectivamente a demanda por moeda, na forma da teoria quantitativa da moeda, e a função investimento, enquanto a terceira é uma condição de equilíbrio entre investimento e poupança correntes. 

No início dos anos 1960, a síntese neoclássica firmou-se como o pensamento teórico dominante e a base da política econômica de diferentes países. Alcançou o auge, nos Estados Unidos, no governo Kennedy/Johnson, com a proposta da “Nova Economia”, baseada, como mostra o Economic Report of the President de 1962, na ação do governo e na forte presença da política fiscal como meio de defender o alto nível de emprego e a estabilização econômica.

O declínio da síntese neoclássica ocorreu a partir das contribuições de Milton Friedman no final dos anos 1960, com a crítica ao uso de medidas discricionárias para influenciar a atividade econômica e promover o pleno-emprego.


Formação da Síntese Neoclássica

A síntese neoclássica é dividida em três movimentos principais, os quais apresentam as visões de Hicks & Modigliani, Samuelson & Domar e Phillips & Musgrave. Discorreremos sobre cada um dos movimentos de forma a evidenciar suas particularidades e modelos que sustentam o arcabouço teórico que deu origem à síntese.

O primeiro movimento inicia-se com a visão de Hicks de que a Teoria Geral de Keynes seria um trabalho meramente voltado à economia da depressão, um caso particular do modelo clássico. Sua linha de pensamento fundamenta-se no modelo especial keynesiano, cuja principal característica - dada a preferência pela liquidez - é o fato da quantidade de moeda determinar a taxa de juros e não a renda, como no modelo clássico. A taxa de juros (diferente da EMgK) definiria o volume de investimento e considerando o multiplicador, determinaria também emprego e renda. Baseado nesta causalidade, o autor estabelece que o aumento do investimento ou do consumo poderia elevar o emprego sem aumentar juros. Por não enxergar este modelo na Teoria Geral, ele o define como uma teoria especial. Hicks propõe o novo modelo definido por Md = L (Y, r); I = (Y, r) e S = (Y, r); suscitando que a demanda por moeda varie em função da renda e dos juros.
O autor ao questionar-se sobre o motivo de Keynes ter afirmado que a alta no investimento não elevaria os juros, vê a resposta na forma da curva LM. Esta curva, quase horizontal à esquerda e quase vertical à direita, seria explicada por um nível mínimo aceitável da taxa de juros e pelo nível máximo financiável de renda. O formato da curva em questão possibilita que o gasto autônomo atue efetivamente sobre o nível de atividades. Por fim, neste modelo a oferta de moeda deixa de ser dada e a existência de um mercado monetário que ao oscilar a quantidade de moeda, define a taxa de juros e o equilíbrio do sistema, expresso na intersecção das curvas IS-LM e então firma a igualdade entre poupança e investimento.
    Em seguida, Modigliani complementa a visão de Hicks sobre o caráter particular da teoria de Keynes. Em meio ao debate entre perfeita flexibilidade de preços e salários versus preços flexíveis e salários rígidos, o autor conclui que no primeiro modelo a economia tende  a alcançar o pleno-emprego (efeito Keynes). O ajuste automático (market clearing) só não ocorreria devido a condições específicas de rigidez e também à incapacidade do mercado em absorver a mão-de-obra disposta a trabalhar em troca do salário real. O efeito Keynes e o efeito riqueza (Pigou) sustentaram a teoria do caráter inexorável do pleno emprego e as limitações do alcance da TG. O desemprego torna-se uma questão de curto prazo, causado por falhas de mercado. Porém, ultrapassadas essas complicações o equilíbrio clássico de pleno emprego se cristalizaria no longo prazo.
O modelo de Hicks havia mostrado o caminho para resolver tal problema, em suma, seria necessário agir sobre os fatores que impactam as curvas IS e LM, de forma a deslocá-las e modificar a relação renda-juros. A principal complicação desse processo seria estabelecer a política econômica adequada, tendo em vista que a efetividade das políticas monetária e fiscal relaciona-se fortemente com as elasticidades das curvas e com a área ocupada pela intersecção entre elas. Em meio a um contexto histórico de alta liquidez e baixo nível da taxa de juros, a política monetária não mostrava eficácia nem no controle da demanda agregada e muito menos na defesa de expansão da renda. Por fim, tendo em mente a neutralidade da moeda expressa na época, a tendência era aceitar a política fiscal ativa para gerenciar as variáveis macroeconômicas.
No processo de constituição de um consenso teórico da Síntese Neoclássica, um segundo movimento pôde ser evidenciado, o qual está calcado sobretudo nas ideias de Samuelson (1948), e com importantes contribuições de Domar (1944).
A priori, as atenções centraram-se no papel da política fiscal na determinação da demanda agregada, uma vez que a conjuntura histórica do período mostrava tendências de que variações na oferta de moeda proporcionariam um efeito fraco sobre a taxa de juros, a qual era baixa; e mesmo com variações na taxa de juros, a taxa de investimento poderia se alterar relativamente pouco, uma vez que dependia majoritariamente do estado depressivo dos negócios; e por fim, os Bancos Centrais poderiam não estar dispostos a levarem a política monetária tão a frente. Logo, a política monetária seria complementar à fiscal.
Desse modo, Samuelson propôs um modelo simples de determinação da renda, estabelecendo as deduções da renda nacional líquida de modo a alcançar a renda disponível para a demanda agregada. Partindo da equação básica do produto/renda (Y) = Consumo (C) + Investimento (I) + Gastos do governo (G), ele estabeleceu (BT) como o valor dos impostos incidentes sobre os negócios; (B) o valor da poupança líquida das corporações; e (PW) valor líquido dos impostos sobre as pessoas físicas, chegando à Y = C [ Y - W(Y) - B(Y)] + G + I, em que W = BT + PW.
A equação final da renda indicou a possibilidade de se adotar formas específicas de intervenção na demanda agregada e de se escolher parâmetros de política fiscal, tendo a definição do tamanho do multiplicador fiscal uma decisão complexa, visto que o modo e a escolha da variável a ser alterada afetaria o multiplicador e, consequentemente, o valor desejado da renda nacional.
Entretanto, a atuação central da política fiscal na defesa da demanda esteve limitada ao curto prazo, indicando a adoção de medidas com o objetivo de balancear a instabilidade do gasto privado e de sanar falhas de mercado, e amenizar oscilações cíclicas com políticas compensatórias, seja elevando os gastos, seja por políticas de transferências e tributação diferenciada.
Em uma análise de longo prazo, Domar propôs um debate, em que a política fiscal poderia gerar riscos, como o de elevar os gastos e déficits públicos exigindo contínuo financiamento via carga tributária, até o ponto de comprometer a atividade econômica, de modo que se tornaria crucial que a renda nacional crescesse a uma taxa que mantivesse estável a carga tributária para o pagamento da dívida. Assim, evidencia a relação: α/r * i, em que α = percentual de empréstimos; r = renda; e i = taxa de juros. Portanto, uma política de gastos públicos dependeria de uma expansão da renda, o que implicaria investimento e eficiência da produção, fomentando respectivamente, uma taxa de poupança e ganhos de produtividade.

O terceiro e último movimento ocorre em meados do século XX, formalizando o consenso da Síntese Neoclássica com os trabalhos dos economistas Musgrave, Hansen e William Phillips. Nesse movimento, tais economistas suscitam dúvidas sobre os limites da política fiscal na tentativa de manter a atividade econômica elevada a ponto de garantir o pleno emprego. 

Depois de anos de expansão fiscal, numa tentativa de reaquecer a economia mundial pós Segunda Guerra, os resultados alcançados reforçam a ideia de que o gasto público era capaz de impulsionar o crescimento no curto prazo, entretanto, o rápido aumento da inflação fez surgir o questionamento sobre a sustentabilidade da política expansionista no longo prazo. Por isso, de acordo com Musgrave e Hansen era preciso refletir sobre o peso do gasto público no longo prazo, tendo em mente que no curto prazo a política fiscal era responsável por gerar bem-estar social e, ao mesmo tempo, considerando que essa política expansionista poderia levar a um cenário de crescimento inflacionário. Sendo assim, era necessário ponderar entre o investimento público e privado, reconhecendo os limites do gasto público. 

Para essa corrente de pensamento, a política fiscal deveria ter como base a maximização da utilidade social, se afastando, portanto, da visão de que o gasto público era a política de renda. Neste caso, se a utilidade social do gasto privado for maior que o do gasto público, então, a melhor ação a ser tomada era a de incentivar o investimento privado, através, por exemplo, da redução de impostos. 

Outro importante ponto incorporado a Síntese Neoclássica é a chamada curva de Phillips, que ressalta a relação entre preços e desemprego. É nesse momento que a Escola deixa de lado a meta de pleno emprego para suscitar a importância do controle do gasto público, numa tentativa de priorizar a estabilização inflacionária. 

A Síntese Neoclássica

A chamada síntese neoclássica é resultado de uma reflexão de uma doutrina de compromisso entre as visões neoclássica e keynesiana. Em tal síntese, a doutrina neoclássica continuou como referencial teórico na determinação das tendências de longo prazo. Entretanto, reconheceu a possibilidade de ocorrer, no curto prazo, desemprego involuntário estável devido à existência de falhas de mercado, que refletem a não vigência de equilíbrio de pleno emprego em todos os momentos. Quanto ao papel das políticas keynesianas, a estas caberia devolver a economia à sua trajetória de crescimento, permitindo reafirmar assim a validade da posição clássica de longo prazo e negar o sentido geral e abstrato do princípio da demanda efetiva, mantendo apenas o caráter pontual de administração da demanda agregada, válido em situações particulares, quando as falhas do mercado levam à existência temporária de desemprego involuntário.

Já no que se refere à retomada da expansão mundial, esta ampliou o debate sobre o crescimento e o papel da política de juros e da administração da dívida pública na formação de capital e na definição do ritmo de crescimento econômico. Os autores da síntese neoclássica, abandonando a versão na qual o crédito barato e fácil pouco influenciava o nível de investimento, adotaram o mix de política fiscal e monetária. A volta do risco de inflação e o desafio de conciliar crescimento e alta de preços, escolhendo o arranjo apropriado de política econômica, delinearam outro passo na revisão do papel da política fiscal.

O modelo da síntese neoclássica também incorpora a curva de Phillips, entretanto deixa de lado a meta de pleno emprego e prioriza a estabilidade, controlando o fluxo de gasto por meio do arranjo de política fiscal e monetária, até torná-lo compatível com o desemprego consistente com a inflação aceita pela sociedade. O esforço de conciliar a questão de curto prazo de controle da absorção interna e a preocupação com o crescimento de longo prazo definiu a categoria de política econômica amplamente aceita por autores da síntese neoclássica: política monetária expansionista, vista como o meio mais eficaz para se acelerar o crescimento de longo prazo, e política fiscal austera, voltada prioritariamente ao controle do risco inflacionário.

O destaque à estabilidade realçou a relevância do curto prazo, e a austeridade fiscal, no que lhe concerne, tornou-se lugar-comum no pensamento dos autores da síntese. Porém, não houve a superação do impasse em que se encontrava o modelo teórico. Na tentativa de conciliar as premissas de curto e de longo prazo, o esquema analítico atribuía à gestão fiscal múltiplas tarefas, A preocupação imediata era com a estabilização. Mas se buscava mais: corrigir as falhas de mercado, incentivar o crescimento e garantir as condições de equidade e de bem-estar social, interesses estes que, em geral, mostravam-se contraditórios, escancarando a complexidade na definição do exato papel da política fiscal.


Conclusão

Retomando os aspectos apresentados, é perceptível que, nos movimentos de formação da síntese, o problema do desemprego deveria ser combatido via atuação nas variáveis de deslocamento das curvas IS-LM e desta forma impactar a demanda agregada e a renda. Em meio a um cenário internacional de baixas taxas de juros e excesso de liquidez, a política monetária não tinha forças para atuar nas variáveis reais da economia, de forma que a política fiscal se torna a  melhor escolha para a época. Porém, a concentração da política fiscal no curto prazo levanta questões a respeito das consequências futuras no que se refere a inflação e déficit público. Desta forma, seria necessário rever o papel da política fiscal sobre o crescimento de longo prazo e sobre a produtividade da economia. A síntese neoclássica é um resultado dessa revisão, a qual objetiva a busca pelo equilíbrio econômico tanto no curto quanto no longo prazo, levando também ao aumento do grau de importância da política monetária e a modificação de um cenário onde a política fiscal exercia o protagonismo. Essas mudanças marcam o surgimento do arranjo de política fiscal contracionista e política monetária expansionista, definido pela sociedade, que ao escolher políticas apropriadas, garante o pleno emprego e as taxas de crescimento e investimento desejadas. 

BIBLIOGRAFIA


LOPREATO, Francisco Luiz C. O espaço da política fiscal: de Keynes ao Novo Consenso. Caminhos da política fiscal do Brasil / Francisco Luiz C. Lopreato – 1ª edição – São Paulo: Editora Unesp, 2013, cap. 1, págs 10-31.


MAIS RETORNO. O que é a política fiscal?. São Paulo, 18/03/2019. Disponível em: <https://maisretorno.com/blog/termos/p/politica-fiscal>. Acesso em 15 jan. 2021.


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