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As altas taxas de juros de curto prazo no Brasil e o pós Crise Financeira Global

MARCOS REVEJES PEDROSO

Texto escrito em 19/04/2019 como projeto de Iniciação Científica orientadado pela Prof. Dra. Ana Rosa Ribeiro de Mendonça do IE-UNICAMP e apresentado ao CNPq com o tema: "Taxas de juros e nível de atividades: um estudo das elevadas taxas de juros de curto prazo no Brasil e seu movimento no pós Crise Financeira Global".

1. RESUMO

    Este texto visa evidenciar a complexidade da questão da taxa de juros de curto prazo no Brasil. Seguindo esta linha busca-se avançar na compreensão da peculiaridade histórica de altas taxas de juros brasileiras e de sua relação com as oscilações no nível de atividade econômica na Crise Financeira Global (CFG), suscitando a centralidade da política monetária na busca pela estabilidade de preços. 

INTRODUÇÃO

    A taxa nominal de juros vigente sobre o sistema monetário - taxa over Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) - no Brasil tem se mostrado historicamente alta. Uma pesquisa feita pela Infinity Asset Management mostra que a taxa nominal de juros em março de 2019 (6,5%) era a sexta mais alta entre os principais países do mundo, ficando atrás apenas de Argentina, Turquia, México, Rússia e África do Sul, respectivamente. Essa relação tem se mantido, mesmo com o importante movimento de queda que levou a taxa over Selic ao seu nível mais baixo desde que passou a ser utilizada como referência em 1996, o que tem suscitado debates de economistas de diferentes vertentes sobre as razões de serem mantidas taxas de juros tão elevadas em contraste à média internacional.

1.1 Debate conceitual: taxa de juros e estabilidade de preços

    Lopes (2014) postula que o argumento mais utilizado para justificar tal fato é que a taxa de juros de equilíbrio é alta para contrabalancear a imensidão do déficit das contas públicas. Ou seja, um déficit grande significa baixa poupança pública e isso fará com que, ceteris paribus, quando a capacidade utilizada estiver em seu nível natural, a poupança não seja suficiente para financiar a demanda de investimento futura. Portanto a economia estaria permanentemente gerando um excesso de demanda por bens que destruiria o equilíbrio OA-DA. 

    Para evitar isso, o Banco Central sob um regime de metas de inflação seria forçado a subir a taxa de juros ao nível adequado, em que no modelo IS-BP representaria um deslocamento para esquerda da curva IS. Neste nível mais alto haveria mais financiamento externo – dado que para os investidores só faria sentido aplicar seu capital no Brasil se o piso do investimento, a taxa de juros, fosse superior a taxa de seus países de origem – de forma que com o novo fluxo de capitais o balanço de pagamentos se desequilibre. Dada a tendência ao equilíbrio IS-BP, o balanço de pagamentos requererá um volume maior de poupança externa a fim de igualar-se ao volume de financiamento externo, o qual é positivamente relacionado com a taxa de juros real. Visto que o modelo define uma relação inversa entre taxa de câmbio real e taxa de juros real na linha BP, essa alta tanto na poupança quanto no financiamento externo trará como consequência a apreciação da taxa de câmbio.

    O autor demonstra que a política econômica recomendada ao seguir o argumento supracitado seria um ajuste fiscal para ampliar a poupança do governo, o que traria a curva IS de volta à posição consistente com o equilíbrio do modelo. Porém, há um problema nesta linha de pensamento: atualmente o déficit público no Brasil é claramente menor do que do que na maioria dos países, incluindo emergentes e todos eles têm uma taxa de juros real menor do que a nossa.

    Outra explicação ao fenômeno de taxa de juros alta dada por Lopes (2014) seria a oferta deficiente de poupança privada, uma vez que a capacidade utilizada em seu nível natural produziria um volume de poupança privada que não seria suficiente para a demanda por investimento, então a taxa de juros deverá ser maior. O motivo para tal escassez de poupança privada viria de fatores socioculturais brasileiros que resultam na baixa propensão a poupar no país. Como no caso anterior, a curva IS se deslocaria para esquerda, com uma alta na taxa de juros e uma baixa na taxa de câmbio. Porém isso não se encaixa bem com os exemplos de taxas de juros de demais países com muita diversidade cultural, incluindo alguns de nossos vizinhos latinos.

    Uma explicação mais sofisticada, apresentada por Lara Resende (2011) baseada em Arida (2004), usa o conceito de incerteza jurídica. Essa incerteza seria uma consequência de décadas de inflação crônica em que a poupança de longo-prazo em moeda nacional teria sido sistematicamente punida por intervenções arbitrárias do governo.

    Seguindo a busca por explicar o fenômeno de altas taxas de juros no Brasil, Matheson (2018) afirma que a visão convencional dos economistas é de que altas taxas de juros reduzem a inflação. A linha de raciocínio por trás dessa visão é que taxas de juros maiores aumentam o custo do crédito e afetam a demanda agregada, resultando em excesso de oferta e baixa inflação. Neste contexto, altas taxas de juros reduziriam a inflação por meio de diversos canais, incluindo o canal da taxa de câmbio, do crédito e do balanço bancário. O Banco Central, ao deparar-se com expectativas de inflação acima da meta, poderia aumentar a taxa de juros o suficiente para fazer crescer o custo real de crédito, reduzindo assim a demanda agregada e retornando a inflação ao nível desejado.

    Um estudo de correlações cruzadas realizado pelo autor mostra que: inflação alta leva a taxas de juros mais altas e taxas de juros mais altas levam a uma inflação mais baixa, o que estaria de acordo com a visão convencional. Os resultados demonstram uma relação estatística positiva entre níveis passados de inflação e taxa de juros, e uma relação estatística negativa entre níveis anteriores da taxa de juros e inflação. Essa apuração reflete amplamente a visão padrão de transmissão da política monetária à inflação. Como a inflação tende a liderar a taxa de juros, parece que o Banco Central respondeu à evolução da inflação nesta amostra, em parte como resultado de choques imprevistos de demanda e oferta (como choques de alimentos, preços regulados e choques cambiais). Os resultados também sugerem um pico de correlação entre variáveis e defasagens da inflação e atrasos da taxa de juros em cerca de seis meses.

    Modenesi (2012) complementa o debate com uma visão diferente da supracitada, defende que a política monetária brasileira constitui uma anomalia: apesar da relativa estabilidade de preços advinda do Plano Real, o Banco Central do Brasil tem mantido a taxa nominal de juros em níveis excessivamente elevados. Após a implementação do Plano Real, criaram-se expectativas de que à medida que os preços se estabilizassem, a taxa nominal de juros seria paulatinamente reduzida, convergindo para níveis presentes em economias mais estáveis. Porém, não foi o que aconteceu, mesmo com a promoção de uma inflexão de política fiscal, com a geração de superávits primários a partir de 1999. Além da rigidez da política monetária, o autor critica os altos patamares que a inflação alcançou no período de 1995 e 2010, uma vez que, a despeito da longa manutenção da taxa de juros nominal em níveis inusitados, a inflação teria cedido menos do que o esperado (IPCA desses anos atingiu a média de 7%).

    Em linha com as visões expostas acima, Blanchard (2010) aponta uma visão padrão na macroeconomia de economia aberta, em que o Banco Central ao determinar um aumento real na taxa de juros, torna a dívida pública mais atraente e leva uma apreciação real. Por outro lado, o aumento da taxa de juros real também pode aumentar a probabilidade de inadimplência da dívida, ao passo de tornar a mesma menos atraente aos investidores e levar a uma depreciação real. Esse resultado é mais provável quanto maior for o nível inicial da dívida, quanto maior a proporção da dívida exposta em moeda estrangeira e quanto maior o preço do risco. A partir deste resultado, pode-se inferir que a meta de inflação pode ter efeitos perversos: um aumento na taxa de juros real em resposta a alta inflação leva a uma depreciação real. Essa depreciação real leva, consequentemente, a um aumento adicional na inflação. Neste caso, a política fiscal, e não a política monetária seria o instrumento correto para diminuir a inflação.

       O autor ao apresentar essa visão, suscita um tema antigo no debate macroeconômico, a dominância fiscal da política monetária. O mesmo exemplifica esse fenômeno com o episódio de alta na inflação brasileira em 2002, em que apesar do compromisso com a meta de inflação, o Banco Central do Brasil não subiu a taxa de juros real até o início de 2003. E de fato, não deveria ter um aumento. No ambiente em questão, um aumento na taxa de juros teria sido provavelmente cruel, ao levar a uma alta na probabilidade de inadimplência, a uma depreciação adicional e por fim, a um aumento na inflação. O instrumento correto para diminuir a inflação neste caso é a política fiscal e no final das contas esse é o instrumento utilizado.

1.2 Política monetária e regime de metas de inflação no Brasil

    Voltemos para o início do novo século, após a falência do regime de câmbio fixo e suas derivações e a migração para o regime de câmbio flutuante, o governo estabeleceu um regime de metas de inflação e mudou a forma de atuação do Banco Central, antes voltada para a estabilidade cambial, agora para a estabilidade de preços. Segundo Bogdanski (2000) o regime de metas exige que a autoridade monetária assuma uma posição prospectiva, ao passo que são necessárias medidas que antecipem a inflação futura, dado que existem defasagens entre atuação na taxa de juros e a oscilação inflacionária. O autor demonstra ser necessário o estabelecimento de modelos econômicos, a fim de que os policymakers possam fazer análises quantitativas e tomar decisões em meio a um cenário de incerteza econômica, considerando choques que possam influir sobre a mesma.

    É neste ponto que as três equações básicas do Novo Consenso Macroeconômico entram no debate:

1. Uma curva IS, a qual expressa as condições de demanda da economia: a demanda é negativamente sensível às variações na taxa de juros, o que gera o hiato do produto.

2. Uma curva de Phillips que representa as condições de oferta da economia: o hiato do produto com certo lag temporal causa inflação (considerando a condição de neutralidade da moeda no longo prazo).

3. Regra de Taylor que representa basicamente o principal papel do Banco Central na economia: atuar na taxa de juros a fim de manter a inflação dentro da meta.

    Essas equações estiveram refletidas na política monetária do pós-crise financeira de 2008.

    Matheson (2018) afirma que, desde que o Brasil adotou o regime de metas de inflação, houve três subperíodos econômicos que devem ser destacados: 2000-05; 2006-11 e 2012-17. O primeiro período é marcado por crises internas e externas que levaram a altas volatilidades na inflação, na atividade econômica e na taxa de câmbio. Em contraponto, no segundo período, o Brasil teve um boom liderado pela exportação de commodities, com baixa inflação, moeda valorizada e altas taxas de crescimento. O último período foi marcado por uma crise política e uma recessão econômica profunda e duradoura. Vamos dar ênfase no período após a Grande Recessão, a fim de explicar as decisões de política monetária subsequentes.

    Segundo Arestis (2017) a economia brasileira tem passado por altos e baixos após a Crise Financeira de 2008. Em decorrência do primeiro impacto da crise, o Brasil se mostrou como um exemplo de resiliência ao utilizar de políticas contra cíclicas, as quais se refletiram na recuperação expressiva do nível de atividade em 2010, com crescimento do PIB em 7,5%. Contudo a partir de 2011 os efeitos da crise internacional desenrolam-se na paulatina queda de crescimento que se tornou a pior crise econômica da história do país. Além do âmbito econômico, o Brasil sofria de uma crise política que impedia a recuperação, a qual só teve fim com o impeachment da presidente Dilma Roussef em 2016 em meio a escândalos de corrupção, colocando em pauta um debate acalorado sobre as razões da crise.

    De acordo com Prates (2017), esse debate baseia-se na estratégia tomada pelo governo brasileiro a mais de uma década, conhecida como desenvolvimentismo. Porém há uma série de controvérsias se o período em questão teria sido de fato desenvolvimentista. A estratégia desenvolvimentista tem como objetivo combinar crescimento econômico sustentável com reestruturação produtiva e distribuição de renda dando ao Estado um papel ativo.

    A política tomada durante o governo do PT com foco nos anos após a crise mostra que usando essa definição, não podemos rotular esse período como desenvolvimentista dado que as políticas macroeconômicas foram predominantemente ortodoxas. Portanto, pode-se perceber que há mais de uma estratégia desenvolvimentista presente neste período. De um lado, no debate novo desenvolvimentista, dá-se prioridade a controlar taxas macroeconômicas como a taxa de câmbio com o foco em prevenir a apreciação da moeda doméstica e então, atingir um superávit de exportação de bens manufaturados. De outro lado, a abordagem desenvolvimentista social favorece as políticas de redistribuição de renda a fim de promover a demanda interna e a diversificação do investimento doméstico.

    Esta breve apresentação do movimento da política e do debate jogou luzes sobre a complexidade da questão da taxa de juros de curto prazo no Brasil. Sendo assim, avançar na compreensão da peculiaridade histórica de elevadas taxas de juros no Brasil e de sua relação com as oscilações no nível de atividade econômica na Crise Financeira Global (CFG), a partir da percepção de que a política monetária é o instrumento central para a busca da estabilidade de preços, é o objeto da pesquisa aqui proposta. Parte-se da premissa conceitual da condição da não neutralidade da moeda, no curto e no longo prazo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ARESTIS, Philip, BALTAR, Carolina T & PRATES, Daniela M. The Brazilian Economy Since the Great Financial Crisis of 2007/2008. Springer International Publishing, First Edition, 2017. 

ARIDA, Pérsio, BACHA, Edmar & LARA RESENDE, André (2004). “High Interest Rates in Brasil: Conjectures on the Jurisdictional Uncertainty”. Inflation Targeting and Debt: the case of Brazil, MIT Press, 2005.

ARIDA, Pérsio (2011). “Crédito subsidiado impede queda dos juros: entrevista a Cristiano Romero”, Valor Economico, 13/12/2011. 

BLANCHARD, Olivier. Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil. No. 10389. National Bureau of Economic Research Working Paper Series, 2004. Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w10389> Acesso em 18 abr. 2019

BOGDANSKI, Joel, TOMBINI, Alexandre A. & WERLANG, Sergio R. da C. "Implementing inflation targeting in Brazil." Werlang, Sergio R., Implementing Inflation Targeting in Brazil (July 2000). Banco Central do Brasil Working Paper 1 (2000).

INFINITY ASSET MANAGEMENT. Ranking Mundial de Juros Reais Mar/2019. Disponível em: <http://infinityasset.com.br/blog/2019/03/20/ranking-mundial-de-juros-reais-mar19/> Acesso em 13 abr. 2019

LOPES, Francisco L. Brazilian Journal of Political Economy, vol.34, nº1 (134), pp. 3-14, January-March/2014.

MATHESON, Troy. Brazil boom, bust, and the road to recovery: Interest Rates and Inflation. International Monetary Fund, Washington DC, 2018. 

MODENESI, André de M, MODENESI, Rui L. "Quinze anos de rigidez monetária no Brasil pós-Plano Real: uma agenda de pesquisa." Brazilian Journal of Political Economy 32, no. 3 (2012): 389-411.

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